ESG: mais do que uma pauta socioambiental, o caminho para o lucro e a competitividade | JValério

ESG: mais do que uma pauta socioambiental, o caminho para o lucro e a competitividade

10/09/2024

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Referência em ESG, Paula Harraca, mostra como ter uma empresa mais estratégica, inovadora e alinhada à nova realidade do mundo

Muito tem se falado de ESG e em meio a tantos problemas ambientais, o assunto é ainda mais urgente. Porém, mais do que tratar da sustentabilidade ambiental, o tema envolve questões sociais e de governança. São muitos fatores conectados e que merecem ser abordados de maneira integrada pelas empresas.

O assunto foi amplamente debatido durante a ExpoApras, inclusive com uma palestra de uma das maiores vozes do ESG no Brasil, Paula Harraca – executiva, palestrante e autora best-seller. Ela é a primeira mulher a chegar na diretoria da ArcelorMittal, começou como trainee e construiu uma carreira notável por 20 anos na empresa.

Confira abaixo a entrevista que Paula concedeu à Supermix.

Qual o atual contexto do mundo e como se adaptar a ele?

Além do mundo ser volátil, complexo e ambíguo, também é frágil, ansioso, não linear e é incompreensível pela inteligência cognitiva humana e é aí que vem a união da tecnologia para servir de potência e como um meio para alavancar nossos insights, nossa inteligência. O grande desafio é criar um novo mindset como lógica para este novo contexto, que nos manda uma dinâmica onde todos trabalham juntos. É estratégico que você traga para a sua mesa pessoas diferentes de você, que te olhem e te desafiem.

Como prosperar neste novo contexto?

Em um mundo em constante mudança, as empresas que desejam prosperar precisam ir além do convencional. É necessário repensar modelos de negócios, abraçar novas tecnologias e adotar uma postura proativa em relação às grandes questões da sociedade.

Qual o papel da liderança neste novo contexto?

Liderança não é cargo, é um exercício de coragem, de iniciativa. Ela precisa ser uma cama elástica que dá propulsão para o liderado, mas que acolhe na queda. É importante que o líder saiba e passe para o liderado que errar não é bom, mas que o erro deve ser utilizado como insumo para processo de aprimoramento, tanto pessoal quanto do negócio.

Essa relação de líder e liderado está em um novo momento. Muitas vezes a missão da liderança é falar para o seu liderado ir e correr atrás, dizer que consegue e dar a voz de confiança que a pessoa não tem da sua própria capacidade.

Quando seu liderado te questiona e traz um ponto cego, é hora de aprender. Você não precisa dar conta de tudo. A liderança precisa ser empreendedora, que faça acontecer, que seja cada vez mais coach, mas que seja aprendiz também. Ele precisa resgatar a humildade para aprender.

O líder precisa perceber o seu N+1, que é um nível acima do seu. Então, pensar se a decisão que vai tomar, caso estivesse nesse nível acima, seria melhor para o conjunto da obra.

O líder também dever ter a responsabilidade, que é a habilidade de resposta. É preciso estimular isso, a vestir a camisa e a ter compromisso com as pessoas e com o propósito organizacional. Isso deve ser feito com coragem, que não é a ausência de medo. Coragem é quando reconhecemos os nossos medos e limites e nos preparamos para evoluir e ir além.

Na gestão tradicional, após virar o ano, ele pergunta ao time qual seu orçamento e o que dá para fazer. A liderança que cria futuros é a que pergunta o que nós queremos e o que precisamos. Portanto, nunca subordine objetivos a recursos, pois os recursos são limitados por natureza. Tempo, dinheiro e espaço a gente administra, mas os objetivos têm que nos conduzir para o futuro.

Como se caracterizam as empresas do futuro?

Elas têm um propósito transformador, ou seja, vão além do lucro, buscando um impacto positivo no mundo, adotam um compromisso com a sustentabilidade ambiental, social e econômica e promovem a diversidade, a equidade e a inclusão.

As empresas do futuro também possuem agilidade e adaptabilidade, ou seja, são capazes de se adaptarem rapidamente às mudanças do mercado e às novas demandas dos clientes, adotam uma cultura de experimentação e inovação e utilizam tecnologias disruptivas para criar novos produtos e serviços.

Elas também têm talentos diversos e altamente qualificados, investem na captação e retenção de talentos com diferentes habilidades e experiências, promovem um ambiente de trabalho inclusivo e colaborativo e incentivam o aprendizado contínuo e o desenvolvimento profissional.

Também possuem uma cultura de inovação, com um ambiente propício para a geração de novas ideias, incentivam o pensamento criativo e a experimentação, toleram o risco e aprendem com os erros.

Utilizam tecnologia de ponta para otimizar processos, melhorar a experiência do cliente e criar novos produtos e serviços, além de investir em pesquisa e desenvolvimento para se manter na vanguarda da inovação, adotando uma abordagem ética e responsável no uso da tecnologia.

Elas possuem, ainda, um compromisso com a sustentabilidade, buscando reduzir o impacto ambiental das suas operações aos adotar práticas sustentáveis em toda a cadeia de valor, além de promover a sustentabilidade entre seus clientes e parceiros.

Essas empresas possuem foco no cliente, o colocando no centro de todas as decisões, oferecendo uma experiência excepcional e construindo relacionamentos duradouros com eles.

Essas empresas do futuro também devem ter transparência e responsabilidade social, sempre prestando contas aos seus stakeholders e agindo de forma ética e responsável.

Qual postura devemos adotar como indivíduos dentro de uma empresa?

Uma das coisas que fez a diferença na minha carreira foi um mantra que adotei: Seja você! Se sendo você, não for escolhido, esse lugar não é para você. E se um dia tiver que abrir mão dos seus valores, é a hora de pedir a conta.

Empresas são feitas de pessoas, então por que devemos deixar de ser quem somos na vida profissional? Nós não somos o cargo, apenas estamos no cargo. Então, quem é você além do cargo?

E como crescer profissionalmente ou fazer um negócio crescer neste mundo de tantas mudanças rápidas?

Eu não acredito em atalhos, não existe caminho pronto. O que tem é dedicação, compromisso, construção coletiva, ética e perseverança.

Outra reflexão importante é que não existe conforto na zona de crescimento e nem crescimento na zona de conforto. Então, se você está muito confortável, questione como está seu crescimento, onde pode se desafiar, onde precisa crescer e onde há espaço de expansão de conhecimento, de experiência e de consciência.

O que garante que um negócio esteja vivo em 10 anos?

O mundo está mudando tão rápido e devemos estar atentos a essas tendências emergentes. Não precisamos ser futuristas. Para mim, inovar passa essencialmente por simplificar. A grande questão não é a mudança, mas como reagimos a ela. Não devemos reagir com a mesma lógica de 20 anos atrás. O jogo dos negócios mudou. Antes queríamos ser o melhor do mundo ou do Brasil, agora devemos querer ser o melhor para o mundo ou para o Brasil. Ser o melhor “para” será o habilitador para sermos o melhor “do”, mas isso será uma consequência. Portanto, houve uma inversão entre os fins e os meios. No ESG, o econômico acaba entrando junto e não já como separar.

Como criar uma empresa melhor para o mundo?

Construi uma estratégia para isso, são os 7 Cs: Causa do negócio; Cultura Organizacional; Colaboradores; Clientes, Capital, Comunidade e Competitividade Estratégica.

E para cada C, deve existir um P.

Para sua causa, qual seu propósito organizacional?

Para sua Cultura, quais são os princípios que você não abre mão?

Para seus colaboradores, como você estimula esse protagonismo, essa paixão?

Para seu Cliente, qual sua proposta de valor?

Para seu Capital, como você está remunerando?

Para sua Comunidade, que tipo de parcerias e programas você desenvolve?

Para sua Competitividade, como você mensura a sua performance?

Como ser estratégico no mundo contemporâneo?

Ser estratégico demanda escolha. E às vezes pode ser angustiante fazer uma escolha e renunciar de outras. Hoje o mundo das possibilidades exige isso. No meu livro cito que todo negócio precisa administrar três caixinhas para fazer estratégia contemporânea: a 1ª deve reunir os esforços para a melhoria contínua, na excelência operacional e em fazer muito bem feito aquilo que já fazemos; 2ª é seletivamente deixar de fazer coisas que não agregam valor; e a 3ª é começar a fazer coisas que serão relevantes no futuro. Disso tudo, o grande desafio é parar ou desapegar de algo, principalmente quando temos orgulho daquele passado. Para superar isso, a empresa precisa ter mais vontade de viver o futuro do que o orgulho do passado, pois assim ele fica melancólico e não terá condições de construir futuros melhores. Tudo isso pode parecer arriscado, mas a mudança não deixará de acontecer só porque você não acredita nelas. Afinal, a Era da Pedra não acabou por falta de pedra. É a emergência de novas e melhores formas de satisfazer as necessidades humanas que torna relevante os caminhos antigos. A mudança é permanente, mas ela é difícil. O ser humano já vem programado para poupar energia, então só mudamos porque precisamos ou porque queremos. E devemos ter essa paixão por querer mudar.

As grandes transformações começam por pequenas e consistentes mudanças. Acredito em o futuro é transformado por aquelas pessoas cujo sonhos são maiores do que seus medos.

Qual o novo perfil do consumidor e sua relação com o ESG?

O crescente interesse dos consumidores pela pauta ESG, é evidenciada em várias pesquisas.

Um estudo global da Bain & Company, chamado “Elementos de valor”, destaca o crescimento das marcas de varejo ao assumirem causas sociais e compromissos de sustentabilidade. A pesquisa, feita em 2023, mostra que 27% dos consumidores classificam o planeta como a terceira prioridade para a compra (atrás somente da qualidade do produto e dos benefícios para a saúde). Além disso, 70% dos consumidores entrevistados dizem pagar um valor mais alto (aproximadamente 10% a 25% mais), pela sustentabilidade.

Outra pesquisa realizada recentemente pela Union + Webster no Brasil, aponta que 87% da população brasileira prefere comprar produtos e serviços de empresas sustentáveis, sendo que 70% dos entrevistados também afirmaram que não se importam em pagar um pouco mais por isso.

Ao mesmo tempo, os desafios são inúmeros, e demandam ações urgentes:

Um levantamento da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), revelou que a despesa com energia elétrica varia entre 1% e 2% do faturamento dos varejistas, cerca de R$ 3 a 5 bilhões, anualmente. No caso dos supermercados, uma pauta essencial é o consumo de energia, principalmente por causa da refrigeração, que representa até 40% do consumo total.

Outro dado alarmante, é o fato de que a humanidade joga fora mais de 1 bilhão de refeições por dia, enquanto 783 milhões de pessoas são afetadas pela fome e um terço da humanidade enfrenta insegurança alimentar, segundo relatório publicado em março de 2024 pela ONU (dados referentes a 2022). Do total de alimentos desperdiçados em 2022, 60% aconteceram no âmbito doméstico, tendo os serviços de alimentação responsáveis por 28% e o varejo por 12%. O desperdício de alimentos é uma tragédia global, assim como também do Brasil.

E como estabelecer uma relação com este novo consumidor?

Antigamente, falar com as comunidades era muito fácil. Bastava colocar um projeto social embaixo do braço e informar que ia fazer um Natal solidário. Isso já resolvia a relação com a vizinhança. Hoje não é mais assim. O ser humano acordou na pandemia, ele foi estimulado a ser protagonista e dono das próprias escolhas. Isso nos desafia, pois as comunidades querem construir um mundo melhor e, para isso, querem saber como são remunerados os meus funcionários, se pago impostos, como está a minha sustentabilidade, minha cadeia de valor. É a Era da Transparência.

Qual o papel do varejo e do setor supermercadista no ESG?

O varejo, especificamente o setor dos supermercados, tem um papel fundamental na evolução da agenda ESG, tanto desde uma perspectiva interna, ou seja, trazendo de fato o ESG para o centro de sua estratégia de negócios como real oportunidade de diferenciação, competitividade e sustentabilidade empresarial, ao conquistar e fidelizar clientes que já estão ponderando as questões socioambientais nas suas escolhas, assim como também, externamente, criando um impacto positivo na sociedade, ao influenciar um consumo cada vez mais consciente. Ou seja, a oportunidade e responsabilidade do varejo no ESG não se limita a potencializar o impacto positivo no seu próprio negócio, mas abrange também o potencial impacto e influência na sociedade como um todo.

Os grandes desafios da humanidade demandam ações articuladas de setores que possam contribuir à solução desses problemas. Certamente o varejo, e especialmente o setor dos supermercados, tem um papel fundamental para ajudar mudar esse cenário, contribuindo positivamente na influência da ampliação de consciência dos consumidores, na mudança de hábitos e na solução efetiva desses desafios complexos da sociedade contemporânea.

Como lidar com a concorrência?

O seu principal concorrente é o seu passado. Vejo muitas empresas perdidas porque ficam olhando demais para a concorrência e vai copiando, aí se perde o eixo da sua essência, da sua estratégia e da sua jornada. Lógico que se deve olhar para o concorrente, mas coloque uma pequena energia nisso. A sua energia vital tem que ser se tornar melhor, utilizar a sua potência para te levar aonde você quer chegar. Então, tenha intencionalidade.

Como uma empresa deve ser inovadora?

A inovação não é uma exclusividade da Apple ou do Google. Todo mundo precisa inovar. E inovação não é investimento e tecnologia necessariamente. Investimento começa com empatia, com observação e o uso dos cinco sentidos. Essas inovações não podem sair de um laboratório de inovação, devem sair de dentro do seu negócio, da rua. E tenha em mente que muitas vezes o seu cliente não é o consumidor final do seu produto.

Nós vivemos a Era do Capitalismo Consciente. Esse movimento traz oportunidades, que vêm do ecossistema, então não precisamos mais inovar sozinhos, chame clientes, parceiros, universidades, entidades de classe para jogar junto. O ecossistema precisa se tornar mais inovador e sustentável. Para isso, precisamos de parcerias de médio e longo prazo, de programas. Por trás disso tudo temos pessoas. Muito se fala em B2B e B2C, mas no fundo é P2P, que é Pessoas para Pessoas.

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